domingo, fevereiro 03, 2013

Brás

Miseráveis. 
Drogados que davam torneiradas em traficantes, velhos doentes esperando pelo dito fim, prostitutas com erupções na pele, herpes, aids, sífilis e sabe-se lá mais o que.
Gente fodida na vida, sabe?
Todos se encontravam naquele corredor fétido e sujo no Brás, sofrendo e rastejando, revirando-se na imundice alheia.
O resto da cidade era apenas habitada por um imenso silêncio, que brotava da raiz dos prédios vazios, das ruas desertas. Dia ermo, sem cor, sem som, sem vida.
São Paulo era somente o resto de algo...
São Paulo era o que sobrara de mim.

Diante de tais fatos, não havia muito á ser feito além de fechar a janela e esperar a luz da rua cair. Acender uma vela ou duas. Um cigarro ou dez. Como uma criatura amorfa e mal nascida esperar pela noite, onde as coisas só piorariam.

Ela chega. Já são 22 horas. Os sapatos estão sujos de lama. O rosto pálido. Sua forma toda magra. 
Tiro os sapatos. Beijo-lhe os pés. Tiro o vestido. Os óculos. Coloco-a para deitar. Acendo outro cigarro. Não posso nem falar. A lágrima está presa no olhar.

O suor empapa os cabelos da testa, os lençóis. A febre vem ai, e ela não aguenta ficar deitada.
Salta, veste meus sapatos e meu casaco. Sai porta á fora. É hora de caçar. 

Esperei, nem sei por quanto tempo. Talvez o tempo de mais cinco cigarros.
Ela chega e corre para o banheiro. Ela não iria se matar, ela não ia fazer nada além de bater, esticar e mandar para dentro do cérebro. Depois lamberia o cartão e a pia com prazer.

Ela se aproxima e fica me fitando de perto. Tenta entrar pelo meio de minhas pernas. Eu exito. Eu apenas consigo olhar para aquele rosto que um dia foi bonito, que um dia foi meu. Hoje, só me atento para seu nariz comido, seus olhos fundos, e seu rosto cadavérico como o dos miseráveis lá do corredor. Ela achando lindo, mas eu tenho dó. E um pouco de medo.
Ela se sentindo no poder dessa merda toda e ao mesmo tempo se perdendo de vez.

Abraço-a, com vontade de me tornar parte dela.

Não quero viver para vê-la dando torneiradas em traficantes na Júlio de Mesquita. Talvez eu só queira envelhecer com ela aqui dentro, ouvindo Neil Young e Cat Stevens. Salvando-a do que tem lá no corredor.

Eu só quero te salvar.