quarta-feira, março 30, 2011

oito

- Você gosta mais de casa ou apartamento? Porque pra mim tanto faz, você sabe... Bem, apartamento nós não poderemos escolher a cor, como se faz em uma casa, mas podemos colorir por dentro, que cor você gostaria para a sala?

- Pode ser branca ou marrom, vou forrá-la com quadros. Papel de parede também é interessante... Mas o quarto tem que ser preto! Ao menos a parede maior tem que ser preta...

- Quero um cachorro vira-lata, gato eu já tenho, ele vai comigo pra nossa casa.

- Nos podemos morar na Pompéia, o que você acha? Eu gosto tanto daquele lugar... Ou ficar por aqui mesmo, mais para o centro, eu gosto dessa cidade...

- Gosto daqueles apartamentos bem antigos, sabe? Onde ninguém gostaria de morar por causa da tintura descascada, ou das janelas antiquadas...


 

Após a discussão, após o choro, e após as palavras desnecessárias, resolveram aproveitar a noite.

No carro enquanto esperavam outras pessoas, começaram a, finalmente, conversar sobre o futuro.

Oito meses neste mês de março, já era hora.

E riam, ao imaginar a vida que queriam construir, o lugar aonde dormiriam todas as noites juntos, sem se preocupar em telefonar para avisar, sem o tormento de pedir permissão e o pedido simples ser-lhes negado sem ao menos um bom motivo.

A imaginação de ambos viajava feliz, sem limites...

Ele ficava cada vez mais contente com tudo aquilo, ainda mais por poder olhar nos grandes olhos de sua menina e não ver mais lágrimas, apenas brilho.

Ela o achava mais bonito aquela noite. Bonito da maneira mais simples, ele não se esforçava, e ela adorava a forma despreocupada com que ele sorria.

Abraçou-o com a força habitual, o carinho habitual, mas o amor agora já não era igual...

O cheiro de shampoo dos cabelos ralos dele acalmando-a devagar, o perfume suave exalando tranquilidade e segurança.

O que ela sempre quis, e agora está completo;

À medida que os passos curtos vão sendo dados e se tornando grandes passos, e a vida vai se formando em sua imensa dimensão.

Está acontecendo.

sábado, março 12, 2011

sete horas

Eu via nuvens, via besouros, via insetos e sentia um cheiro horrível de roupa suja, de pessoa suja.

Cheiro de hospital, material descartável, torniquete, três furos no meu braço amarelo.

Sete horas que eu estava ali.

O corredor era branco como os cabelos daquele senhor, que jazia deitado na maca logo a minha frente.

Seu filho segurava-lhe a mão como uma última esperança, seu nariz pontiagudo e a boca entreaberta retratava a fraqueza de seu corpo. Acabara de sofrer um infarto, ali, na frente de todos.

Todos achando que seus problemas eram tão maiores do que o daquele homem, e de seu filho.

De repente me senti um tanto mesquinha perante minhas atitudes, e o choro subiu a garganta ao olhar aquele filho, já de idade também, acalentar o senhor.

Senti-me sozinha, pois estava sozinha ali naquele corredor, sem mãe ou pai ou irmãos.

Me escondi no capuz da blusa, o escuro tentava me acolher...

Fazia 7 horas que eu estava ali, e aquele senhor passava diversas vezes pelo corredor, sendo empurrado naquela maca, naquele lugar estreito e cheio de barulho.

Comecei a pensar um pouco em mim. Na briga com meu pai que tive pela manhã, na minha falta de voz perante tudo de mal que acontece.

Chega uma hora que falta anseio e vigor para seguir tentando, e você simplesmente deixa que te arruínem.

Que te levem...

Sete horas que eu estava ali, três picadas nos braços amarelos.

Apesar do mal estar, ia embora com a vontade de não ir para casa.